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Não há nada mais irritante para um brasiliense, nativo ou por adoção, do que a afirmação de que a Capital da República é um covil de ladrões. A cidade hoje tem quase dois milhões de habitantes, em sua esmagadora maioria constituídos por gente honesta, trabalhadora e indignada com os desvãos da política.
O estigma da ladroagem começou a “pegar” em Brasília — e a ser transportado indevidamente para a população em geral — ainda na construção da nova capital. Desde então, tem-se Brasília como um reduto da bandidagem de colarinho branco. Ampliou-se durante o curto governo Collor. Mas nunca chegou a se justificar tanto quanto na Era Lula, cujas práticas de cooptação de apoios contaminaram 20% dos congressistas que os eleitores brasileiros mandam para lá.
Enquanto a qualidade das relações entre o Executivo e o Legislativo federais se degradava por práticas como o Mensalão, degradava-se igualmente a qualidade da representação local. Os dois processos de desqualificação da política — nos âmbitos local e da representação federal — não têm relação imediata de causa e efeito, mas têm determinantes culturais análogos. Ou seja: um não determina o outro, mas ambos partem dos mesmos paradigmas.
A máquina administrativa do Distrito Federal começou a se transformar num ninho de predadores assim que Cristovam Buarque (PT) deixou o Palácio das Águas Claras. Joaquim Roriz, o último governador biônico do DF, voltou a governar Brasília pelo voto popular. Foi ele quem criou os esquemas de amealhar propina que perduram até hoje no primeiro escalão do Governo do Distrito Federal.
Roriz passou pelo vexame de ter que renunciar para não ser cassado dias depois de ter sido empossado senador. Foi impedido de disputar a última eleição estadual por estar incurso na Lei da Ficha Limpa. Nomeou a mulher para representá-lo. Felizmente, a manobra não deu certo. A capital acabava de viver a agonia traumática do governo José Roberto Arruda, expelido de seu gabinete diretamente para uma cela na Polícia Federal.
A Câmara Distrital aderiu em massa ao balcão em que se transformaram os negócios da administração pública. O show de horrores da corrupção foi para o horário nobre da televisão e se materializou nas cenas pornográficas da distribuição de suborno pelo ex-secretário Durval Barbosa.
Agnelo Queiroz, o atual governador, se apresentou para a população como um contraponto à desmoralização da administração local. Ganhou a eleição prometendo nomear apenas “fichas limpas”. O discurso, no entanto, não guardava coerência com o comportamento do hoje governador, que já vinha sendo denunciado por descalabros no primeiro escalão da República. Dois anos mais tarde, em outubro passado, eles determinariam a demissão de Orlando Silva do Ministério do Esporte, órgão do qual foi secretário-executivo durante a gestão Agnelo.
A passagem de Agnelo pela ANVISA também não o recomendava. No rastro de sua história, começaram a surgir denúncias cabeludas, como a do pagamento de propina pelo lobista de um laboratório farmacêutico. O governador construiu uma versão na qual nem ele mesmo acredita: teria emprestado R$ 5 mil ao lobista, que antes negara conhecer.
O eleitor consciente da Capital da República ficou em um autêntico beco sem saída no segundo turno das últimas eleições. Era Agnelo ou Weslian Roriz. A ausência de alternativa foi abordada por este blog em artigo intitulado Em Brasília, é melhor anular o voto do que coonestar o baixo nível da campanha, pubicado em 23 de outubro de 2010. O post propunha ao eleitor votar nulo por absoluta falta de perspectivas entre os candidatos disponíveis.
O texto trazia uma predição lógica. Afirmava que “quando o pesadelo recomeçar, porque é certo que recomece, o eleitor que tenha anulado seu voto poderá ao menos dizer com orgulho que não delegou a ninguém o direito de lhe roubarem”. Dito e feito. Aí está Agnelo novamente enredado na ribalta dos escândalos políticos, agora por supostas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e a empreiteira Delta, que cuida do lixo na cidade.
Não se conhecem ainda a profundidade nem a extensão dos comprometimentos do governo Agnelo Queirós com a máquina de corromper da jogatina goiana. Mas os elos estão aí — e as negativas novamente começam a soar como desculpas esfarrapadas de um governo acuado por suas próprias contradições. Já chegaram à antessala do governador. É possível que logo atravessem a porta de seu gabinete.
A saga dos brasilienses não aconteceu por acaso. As hordas que se sucederam no GDF foram eleitas diretamente pelo voto livre da maioria da população. Mas muito do que está acontecendo deve ser debitado ao escopo reduzido de alternativas eleitorais eticamente sustentáveis apresentado pelos partidos políticos. Foram eles, mais do que os eleitores, que transformaram a Capital da República num dos grotões mais atrasados e retrógrados da política brasileira.
Para quem seguiu o conselho do blog, resta sempre a justificativa moral de dizer que, ao anular o voto, não delegou a ninguém o direito de lhe roubar.
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Um comentário:
Infelizmente isso aconteceu com Arruda, agora espero que os erros de Agnelo o façam desistir do GDF pois convenhamos Brasília está um caos!!!
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