sábado, 21 de julho de 2012

Conjuntura, greve, corte do ponto

Wilson Correia

O fato de o Brasil ser uma democracia na primeira infância pesa nesta hora em que as universidades federais fazem greve. Das 59 Instituições Federais de Ensino (IFEs), 58 delas estão paralisadas. Adesão estrondosa a uma greve histórica, só não levada em conta pelo fleuma governista que desconversa, protela, enrola e ameaça.

No meu entendimento, nesse contexto, não são dois modelos de sociedade que estão em jogo, mas, sim, a crítica ao modelo capitalista hegemônico. Isso, na história recente, implica considerar a queda do muro de Berlim, o fortalecimento do neoliberalismo e a tirania da sociedade de mercado. Juntos, esses fatores forçam o processo de privatização da vida, da sociedade, do Estado e, como não poderia ser diferente, da educação.

Nessa linha de raciocínio, se enfocarmos a educação, teremos de contabilizar acontecimentos emblemáticos, tais como a fábula da “sociedade do conhecimento”, o Processo de Bolonha e da Universidade Nova, tanto quanto as reformas educacionais dos anos 1990 e, especificamente no nosso caso, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais brasileiras (REUNI).

O esforço, nesses processos, tem sido o de tensionar o campo da educação universitária para que, atendendo aos imperativos neoliberais do capitalismo e de sua sociedade de mercado e do conhecimento, a universidade se liberte de sua natureza de instituição social e ganhe face de organização sujeita à heteronomia do capital. E, para as IFEs brasileiras, o núcleo desse movimento implica o esfacelamento do teor do Artigo 207 da Constituição Federal, justamente aquele que indissocia ensino, pesquisa e extensão e preconiza a autonomia didática, científica e administrativa da universidade.

Então, ainda que pouco explicitado, esse me parece ser o conflito que configura o atual cenário do ensino superior brasileiro, em uma conjuntura onde atores, cenários, atos, fatos e acontecimentos forjam os valores privatistas como modelares a serem seguidos por todos, incluindo-se, aí, os setores do ensino superior.

Alguns poucos números indicam essa tendência, de minimalização do Estado para o social e agigantamento estatal para resguardar os “direitos” do capital: diminuição do gasto com o funcionalismo público, de 5,36% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1995, para algo perto de 4,5%, em 2011; destinação, hoje, de 3,98% do PIB para a segurança pública e de apenas 3,8% do PIB para a educação, enquanto que a remuneração do capital salta para 47,19% do PIB. Somados a isso, os robustos programas de fortalecimento da indústria, comércio, serviços, e do setor bancário, fica clara a opção do Estado brasileiro por ser forte para o capital e raquítico para os direitos sociais.

Nesse contexto, como fazer frente às necessidades da educação? Com dificuldade para admitir essa opção econômico-político-ideológica, o atual governo viu que embromação não venceria professores e técnico-administrativos. Por isso, ameaçou cortar o ponto dos grevistas.

No entanto, essa medida se torna inviável na prática, entre outras coisas, porque: 1) Os servidores técnico-administrativos também estão em greve; 2) O corte de ponto é como se os dias cortados não fizessem parte do calendário acadêmico, não exigindo reposição, o que cancelaria o semestre letivo; 3) A jurisprudência é favorável aos grevistas nesse aspecto, pois greve é direito constitucional e está amparada pela justiça; 4) As universidades são autônomas, razão pela qual ninguém, nem o papa, pode dizer o que elas devem fazer (cortar ponto, cortar salário...).

A bem da verdade, essa orientação para o corte do ponto está se revelando um tiro no pé de quem o aventou, pois o desgaste político com essa ameaça está custando caro ao PT em um ano eleitoral. A onda anti-PT ganha cada vez mais força. Claro que, aí, os tradicionais estratos conservadores que nunca engoliram o PT continuam onde sempre estiveram. Porém, setores esquerdistas que toleravam as práticas do petismo agora se voltam inteiramente contra os caudilhos petistas.

Resultado: o PT está sofrendo a crítica e a ação de grupos que lhe roem por todos os lados. Tratar uma greve docente como o PT está tratando, só mesmo para quem não teme o suicídio político. Mas, vai saber? A mim me parece que o PT entende que o capital, aliado à massa política inopinante, vá salvá-lo e perpetuá-lo no poder. É não pagar, para ver.

Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3770693

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