sábado, 21 de julho de 2012

Nota à Comunidade Acadêmica sobre questionamentos do Ministério Público Federal a respeito do controle de frequência dos docentes grevistas

No dia 21 de junho de 2012, o Comando Local de Greve dos Docentes da UFES realizou, às 10 horas, uma reunião com as Chefias de Departamento desta Universidade, com o objetivo de discutir os problemas ocasionados pela circulação de um conjunto de ofícios e memorandos a respeito do controle de ponto dos servidores grevistas, encaminhados aos centros e respectivamente aos chefes de departamentos da UFES (Oficio n292/2012 - Gabinete do Reitor/UFES – 04/06/2012).

Este conjunto de documentos consiste num “Kit” de informações emitidas pelo Procurador da República André Pimentel Filho, do Ministério Público Federal; um dos documentos solicita ao reitor da Ufes o posicionamento sobre o controle e registro de frequência dos servidores paredistas. Tal solicitação tem gerado indignação, receio e constrangimento de professores e daqueles que estão na condição de chefias de departamento.

Segundo a assessoria jurídica da Adufes, o direito à greve dos servidores públicos é garantido constitucionalmente, como consta na Constituição brasileira (artigo 37, parágrafo VII), e é reafirmado pelo Superior Tribunal Federal, através da súmula nº 316, a qual garante que “a simples adesão à greve não constitui falta grave”.

No que se refere à greve dos Docentes das Universidades Públicas brasileiras, trata-se de uma greve considerada legal pelo poder judiciário, sendo garantido aos servidores paralisar suas atividades e não sofrer qualquer punição ou penalidade por esta atitude.

Somado a isto, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFES, em reunião realizada no dia 06 de junho de 2012, aprovou uma resolução que garante a reposição das aulas não realizadas em função da greve, eliminando qualquer dúvida ou questionamento sobre a reposição total do calendário acadêmico.

Assim, diante dos questionamentos do Procurador da República sobre o controle de frequência e insinuação de corte do ponto, vale destacar que a legalidade da greve garante o direito do livre exercício da paralisação das atividades acadêmicas. E ainda, vale destacar a existência de jurisprudência específica, que garante que os docentes são dispensados do controle de frequência, como consta no decreto 1.590, de 10 de agosto de 1995, quer seja em períodos de atividades normais, quer seja em períodos de greve, sendo, portanto, uma ilegalidade exigir o controle da frequência dos Docentes.

Como segue no texto do Decreto:

Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, e dá outras providências.

Art. 6º [...]:

§ 7º São dispensados do controle de freqüência os ocupantes de cargos:

e) Professor da Carreira de Magistério Superior do Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos.

Ainda sobre a jurisprudência do direito de greve, vale chamar a atenção para a Lei n 7.783, de 28 de junho de 1989, que

Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

§ 2º É vedado ao empregador adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

No que diz respeito aos questionamentos do Procurador André Pimentel sobre o controle de frequência dos docentes, o Comando de Greve dos Docentes da UFES manifesta seu repúdio, assim como a qualquer responsabilização que a Administração Central desta Universidade venha atribuir às Chefias de Departamento ou à qualquer instância desta Universidade, tendo em vista a jurisprudência e os argumentos citados.

Tanto os questionamentos que pairam sobre a legalidade e legitimidade do movimento paredista, quanto os questionamentos do Ministério Público sobre o controle de frequência destes, caracterizam-se como ações que ferem diretamente o direito de greve e a autonomia universitária.

Assim, o Comando de Greve Local dos Docentes da UFES repudia com veemência qualquer ação desta natureza, seja advinda do poder judiciário ou dos órgãos administrativos da UFES, e defende o direito legal e constitucional de greve, que nós, professores e trabalhadores técnico-administrativos, temos construído como instrumento último para reivindicar a manutenção e melhoria das condições do Ensino Público, Gratuito e de Qualidade, o que, ao fim e ao cabo, deveria ser de total interesse da administração central desta Universidade.

Vitória, 25 de junho de 2012.

Comando Local de Greve dos Docentes da UFES

Fonte: http://adufes.org.br/site/comunicacao/noticias/nota-comunidade-acad-mica-sobre-questionamentos-minist-rio-p-blico-federal

Conjuntura, greve, corte do ponto

Wilson Correia

O fato de o Brasil ser uma democracia na primeira infância pesa nesta hora em que as universidades federais fazem greve. Das 59 Instituições Federais de Ensino (IFEs), 58 delas estão paralisadas. Adesão estrondosa a uma greve histórica, só não levada em conta pelo fleuma governista que desconversa, protela, enrola e ameaça.

No meu entendimento, nesse contexto, não são dois modelos de sociedade que estão em jogo, mas, sim, a crítica ao modelo capitalista hegemônico. Isso, na história recente, implica considerar a queda do muro de Berlim, o fortalecimento do neoliberalismo e a tirania da sociedade de mercado. Juntos, esses fatores forçam o processo de privatização da vida, da sociedade, do Estado e, como não poderia ser diferente, da educação.

Nessa linha de raciocínio, se enfocarmos a educação, teremos de contabilizar acontecimentos emblemáticos, tais como a fábula da “sociedade do conhecimento”, o Processo de Bolonha e da Universidade Nova, tanto quanto as reformas educacionais dos anos 1990 e, especificamente no nosso caso, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais brasileiras (REUNI).

O esforço, nesses processos, tem sido o de tensionar o campo da educação universitária para que, atendendo aos imperativos neoliberais do capitalismo e de sua sociedade de mercado e do conhecimento, a universidade se liberte de sua natureza de instituição social e ganhe face de organização sujeita à heteronomia do capital. E, para as IFEs brasileiras, o núcleo desse movimento implica o esfacelamento do teor do Artigo 207 da Constituição Federal, justamente aquele que indissocia ensino, pesquisa e extensão e preconiza a autonomia didática, científica e administrativa da universidade.

Então, ainda que pouco explicitado, esse me parece ser o conflito que configura o atual cenário do ensino superior brasileiro, em uma conjuntura onde atores, cenários, atos, fatos e acontecimentos forjam os valores privatistas como modelares a serem seguidos por todos, incluindo-se, aí, os setores do ensino superior.

Alguns poucos números indicam essa tendência, de minimalização do Estado para o social e agigantamento estatal para resguardar os “direitos” do capital: diminuição do gasto com o funcionalismo público, de 5,36% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1995, para algo perto de 4,5%, em 2011; destinação, hoje, de 3,98% do PIB para a segurança pública e de apenas 3,8% do PIB para a educação, enquanto que a remuneração do capital salta para 47,19% do PIB. Somados a isso, os robustos programas de fortalecimento da indústria, comércio, serviços, e do setor bancário, fica clara a opção do Estado brasileiro por ser forte para o capital e raquítico para os direitos sociais.

Nesse contexto, como fazer frente às necessidades da educação? Com dificuldade para admitir essa opção econômico-político-ideológica, o atual governo viu que embromação não venceria professores e técnico-administrativos. Por isso, ameaçou cortar o ponto dos grevistas.

No entanto, essa medida se torna inviável na prática, entre outras coisas, porque: 1) Os servidores técnico-administrativos também estão em greve; 2) O corte de ponto é como se os dias cortados não fizessem parte do calendário acadêmico, não exigindo reposição, o que cancelaria o semestre letivo; 3) A jurisprudência é favorável aos grevistas nesse aspecto, pois greve é direito constitucional e está amparada pela justiça; 4) As universidades são autônomas, razão pela qual ninguém, nem o papa, pode dizer o que elas devem fazer (cortar ponto, cortar salário...).

A bem da verdade, essa orientação para o corte do ponto está se revelando um tiro no pé de quem o aventou, pois o desgaste político com essa ameaça está custando caro ao PT em um ano eleitoral. A onda anti-PT ganha cada vez mais força. Claro que, aí, os tradicionais estratos conservadores que nunca engoliram o PT continuam onde sempre estiveram. Porém, setores esquerdistas que toleravam as práticas do petismo agora se voltam inteiramente contra os caudilhos petistas.

Resultado: o PT está sofrendo a crítica e a ação de grupos que lhe roem por todos os lados. Tratar uma greve docente como o PT está tratando, só mesmo para quem não teme o suicídio político. Mas, vai saber? A mim me parece que o PT entende que o capital, aliado à massa política inopinante, vá salvá-lo e perpetuá-lo no poder. É não pagar, para ver.

Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3770693